quinta-feira, 16 de maio de 2013

II

enucleação. poema e(dí)pico
quos Iuppiter vult perdere prius dementat
HORÁCIO

e por baixo das pálpebras
dois ocos vazios
dois espaços puros
para produzir a hecatombe
e esquissar um princípio
socavar os alicerces
e cobrir os fossos com cadáveres
destruir as traves
comer a terra de que estão feitas
quebrar as abóbadas
sujar com merda a sua branca cal
romper com o crânio
as pedras vermelhas dos capitéis
abrir uma veia
e tingir as lousas deste sacro chão
queimar os móveis
derrubar as estátuas
queimar os livros
sacrificar um anho no centro da biblioteca
blasfemar frente às imagens dos deuses
atravessar com adagas o coração das princesas
derruir o edifício
e como um acrobata
traspassar as janelas:
um mundo de fumo
que surge da fronte do rei morto
grinaldas de lume
adornam um palácio em ruínas
elogio do incesto
beber por fim dos peitos da rainha
e seccionar a sua língua estrangeira
na manhã
os carros dos nómadas,
máquinas perfeitas,
cruzarão de novo a planície
arrastando entre a erva
os nossos corpos de guerra

Herrero Valeiro, Mário J. No limiar do silêncio. A Corunha: Espiral Maior 1999 p. 46


Mário Herrero Valeiro (A Corunha, 1968)

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